Segundo Sacrificio

Segundo Sacrifício – Um Exemplo para João Vário

Estreia a 25 de Fevereiro de 2021 no Auditório Nacional Jorge Barbosa, Praia, Cabo Verde

Sinopse


Do alto de uma possível humanidade, três mulheres analisam um necrotério de memórias coevas. As memórias são o laço fetal entre as suas três identidades e, nesta necropsia, há-de pulsar a vontade de um novo diálogo, de um novo vocabulário; a vontade de fazer uma outra
humanidade. Para o novo começo e comunhão, os corpos em cena são inicialmente partículas e depois hóstias de uma liturgia metafísica, que se devora com intuito de que caminhemos livremente entre o que nos prende, transforma e designa. Não é uma caminhada que ignora, é um movimento consciente de quem sabe que pisa solo banhado em sangue e desigualdade – arqueologias do objeto em observação. Na morgue, parece ser tarde para se averiguar a identidade e a pertença da memória, que sobre a maca ressona e faz mover séculos de pó acumulado não por silêncio, mas por omissão de escuta.

A terra estende-se à nossa frente com a sua voracidade e seus frios, furta-se ao diálogo mas acumula seus monólogos, ouvimo-la em dias pares.

Sobre o poeta “de raciocínio quase infinito”

João Vário, pseudónimo de João Manuel Varela (Mindelo, 7.06.1937 – Mindelo, 07.08.2007), em família foi Djom, em pseudónimo Timóteo Tio Tiofe, G. T. Didial, mas principalmente João Vário. Da sua vida migrante, sobretudo entre Cabo Verde, Portugal, Bélgica, deixou-nos muitas questões, da medicina à literatura. Certamente, podemos descrevê-lo como figura maior da poética do século XX, embora tenha sido cilindrado pelas circunstâncias histórias em que pensou com liberdade.
“O que se passou foi que começou a publicar quando as literaturas africanas estavam na fase de grande militância”, situa o ensaísta Osvaldo Silvestre. “E a posição dele é muito indiferente a tudo isso. Tem pouco a ver com a literatura africana. A grande referência é a Bíblia, (…) são quase nulas as referências à negritude.” O escritor, que sonhou publicamente a primeira universidade cabo-verdiana, afirma a africanidade embora assume as influências da cultura ocidental. Talvez por isso, conforme nota José Luís Tavares, “não seja estudado nos meios africanistas. É uma espécie de pária”. Nas palavras do próprio, a sua poesia quis “captar alguma característica da dicção do mundo, que ninguém pode pretender que seja fácil ou óbvia ou destinada directamente aos nossos ouvidos”. “E é uma tarefa levada a cabo com grande parte da tradição da poesia universal sobre os ombros, porque a técnica do verso tentou servir-se humilde e aplicadamente de várias fontes para poder ser verdadeiramente sua, para se forjar um modo e uma via, um carácter próprio, de cariz metafísico.”

A partir de João Vário, o poeta quase secreto, de Alexandra Lucas Pires, publicado originalmente no jornal Público, a 11 de Agosto de 2007

NAS PALAVRAS DO ENCENADOR

Um plano inclinado, uma rampa, uma mesa de necrotério ou uma fusão entre plano e mesa onde se colocam os corpos sem vida resume o cenário deste espetáculo que privilegia a esterilidade do metal para a construção de um ambiente vivo, mas onde predomina um silêncio que responde a perguntas. Responder sem a preocupação de errar ou de acertar. A encenação procura num espaço tempo trabalhar a ideia da ação concreta numa outra morfologia ou métrica espácio-temporal. O que não poderia ser de outra forma, já que o teatro é arte inimiga da abstração. A partícula que inviabiliza a abstração no teatro é precisamente o corpo ou figura humana que apesar de o fazer não inviabiliza que o tempo e o espaço sejam realidades maleáveis. O corpo símbolo da humanidade se relaciona com o plano inclinado, nunca o contrariando, mas aceitando o seu fluxo e suas condições físicas, porém esta humanidade tenciona deslocar-se e caminhar para um lugar também de humanidade. Aceitar o fluxo
do plano inclinado e suas condições físicas é antes de mais um estudo, uma escuta e um diálogo, pois esta humanidade sabe que só sentindo esta acidentalidade, ela pode finalmente ser contrariada – sentir é perceber. A oposição a esta descida forçada só pode ser feita com novos modos de escutar, de observar e de perceber.

Herlandson Duarte

Herlandson Lima Duarte – Ator e Encenador, nasceu em Mindelo – Cabo Verde 1986. Desde dos 17 anos que se dedica às artes performativas. Em Março de 2017 concluiu o Mestrado em Teatro, especialização em Encenação na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Sua pesquisa se relaciona com luz led, realidade virtual e criação de imagens em 3D em tempo real. Em Cabo Verde fundou a Companhia de Teatro Solaris, um dos grupos de teatro mais internacionais de Cabo Verde. Em 2007 participou do Programa Criatividade e Criação Artística – Curso de Encenação para Teatro da Fundação Calouste Gulbenkian. O seu trabalho já foi apresentado em vários festivais internacionais de teatro em Angola, Brasil (Rio de janeiro, São Paulo, Teresina, São Carlos, São Sebastião) em Portugal (Lisboa e Açores). Desde de 2010 que se interessa por dança contemporânea. Em 2011 colaborou com a Companhia de dança Tanztheatre-Global no espetáculo Sonho em Movimento. Em 2013 fez o curso profissional de dança contemporânea e dança tradicional africana na École de Sables – Senegal. Em 2014 participou no espetáculo TECHONOLOGIZING US da Companhia de dança Dancenema sediada em Portimão-Portugal. Entre 2009 e 2013 trabalhou como repórter, apresentador e criativo de conteúdos na Televisão Independente de Cabo Verde – TIVER, mas antes, em 2008 esteve no Canal Futura no Rio de Janeiro (Fundação Roberto Marinho) para uma formação em técnicas de jornalismo, televisão e mobilização comunitária.
Reside em Lisboa desde de 2014, onde estuda, trabalha e desenvolve o seu trabalho artístico. Em 2016 participou no ciclo de novos criadores – Try Better Fail Better, no Teatro Taborda, e apresentou sua última criação, o espetáculo Zero – Ultima imagem. Em novembro de 2018, a convite da Escola Superior de Teatro e Cinema participou no Festival Fast Forword. Um encontro entre jovens encenadores de toda a europa que decorreu em novembro 2018 na cidade de Dresden – Alemanha.

Ficha Técnica


Direção Artística – Herlandson Duarte
Dramaturgia – José Pinto e Herlandson Duarte, a partir de “Exemplos” de João Vário
Adaptação – José Pinto
Interpretação – Cátia Terrinca, Nádia Yracema e Rita Couto
Música e Sonoplastia – N’du Carlos
Direção Técnica e Design – João P. Nunes
Desenho de Luz – João P. Nunes e Bembe Quembe
Construção e Apoio à Montagem – Mano Preto e Álvaro Soares Cardoso
Figurino – Boubacar Baessa Ba
Apoio à Produção – Nedine Tavares Mendes e Jocy Vera Brito de Pina Barbosa
Produção – UMCOLETIVO
Coprodução – Direção Geral das Artes e das Indústrias Criativas de Cabo Verde e Lendias d’Encantar

#18 PROJETO UMCOLETIVO

Apoios


DGartes, Município de Elvas, CCP da Praia, Nascimento & Filhos, Cool Guest House Hostel.

Agradecimentos


O Espaço do Tempo, António Neves, Equipa do Ponto d’arte,
Grupo Fladu Fla, Equipa do Hotel Praia Confort, Mizé Varela e Ghislene Tavares.